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Monthly Archives

novembro 2024

Diário Veronica Pinheiro

À MARGEM DO RIO

Todos os dias da semana, desde fevereiro, mergulho no asfalto que leva à favela da Pedreira. Ora corpo e pensamento se deslocam pela superfície de betume espesso, ora o pensamento se desloca solitário por caminhos suspensos. Por muitos dias, as palavras surgiram antes do Sol. O luar era festejado com agradecimentos – retornar era sempre uma dúvida. O Sol era recebido com rezos e pedidos repetidos – “dobra a força do braço, não me deixe ir só”. Tal qual a menina de capuz vermelho, segui estrada afora. Tudo poderia acontecer na Estrada de Botafogo. No entanto, diferente da menina de capuz vermelho, pela estrada afora, nunca fui sozinha. Entre pontos, no texto e de ônibus, seguia um corpo no mundo, disposto a fazer amizade com lobos e conhecer vovós. Como alguém que leva e traz notícias, ouvi, anotei, observei, perguntei pouco para não direcionar a voz ouvida. Olhos, ouvidos e coração estiveram atentos ao caminho. Um caminho fluido, cheio de beiradas,…
selvagem
29 de novembro de 2024
Diário Cristine Takuá

OPY’I, NOSSA VERDADEIRA ESCOLA – saberes e fazeres vivos

Foto: Cristine Takuá Já faz alguns meses que estamos construindo uma casa de reza no meio da floresta para estudos e retiros de concentração. Todo o processo está sendo feito com materiais retirados da mata, madeira, cipó para amarrar, palha para cobrir e barro para fazer as paredes. Uma casa viva e natural, feita com o saber ancestral que é a arquitetura tradicional Guarani. Além da técnica, tem um saber sensível que segue a orientação do tempo. Existe o tempo certo para tirar as madeiras, para colher a palha e o cipó. No mundo de hoje, escutar e observar o tempo não é mais um primeiro passo para praticar os conhecimentos, pois a mercadoria é comprada e vende-se tudo o tempo todo. Tudo leva agrotóxicos, inseticidas e tudo passa a ser desconectado desse sentido profundo de saber esperar o tempo. Por isso, realizar essa construção é uma prática da Escola Viva, da qual participam jovens e até crianças, que ajudam…
selvagem
25 de novembro de 2024
Diário Veronica Pinheiro

PEDRINHAS MIUDINHAS

    “Pedrinha miudinha de Aruanda ê Lajedo tão grande pedrinha de Aruanda ê”   Escrever Diários foi uma missão que recebi de Anna Dantes, idealizadora do Selvagem, ciclo de estudos, e, na ocasião, pensei que não teríamos assunto para publicar em 35 textos. A missão se tornou para mim um percurso de aprendizagens e encantamentos. Foram quase 200 dias presenciais com 420 crianças por semana. Foram muitos dias ouvindo e contando histórias. Foram 145 páginas escritas com sorrisos, medos, cantares, desenhos, abraços. A escola foi a linha que coseu minhas andanças em 2024. Todos os textos escritos descreviam as vivências e experimentações compartilhadas com as crianças. Gostaria, no entanto, nesta penúltima página, de falar do corpo docente que estrutura a Escola Municipal Professor Escragnolle Dória. Da cozinha ao portão, todas as profissionais da escola são docentes, pois ensinam e compartilham ensinamentos diariamente com as crianças. Sem nenhuma novidade, quando o assunto é escola de primeiro segmento, o corpo docente…
selvagem
22 de novembro de 2024
Diário Cristine Takuá

TERRITÓRIOS DE CONEXÃO, ATIVAÇÃO DE CURAS E MEMÓRIAS

  Foto: Carlos Papá Caminhando por entre montanhas e lagoas encantadas, senti, vi e vivi sensações muito profundas nesse território antigo de memórias ancestrais. Huaraz, Huascaran, Chavin de Huantar são lugares de conexão, portais de acesso a tempos muitos antigos, onde havia muitas caminhadas de encontros espirituais e trocas de conhecimentos sobre as medicinas, as práticas de cura e bons modos de viver. Visitando museus e espaços de sítios arqueológicos, me recordei das conversas com João Paulo Tukano sobre o palácio dos mortos, modo como ele e seu povo nomeiam os museus. Há tempos atrás, João Paulo, antropólogo e coordenador da Escola Viva Bahserikowi, escreveu um texto com o nome “Palácio dos Mortos”, em que faz uma profunda reflexão sobre esses espaços para onde os objetos são levados e guardados como pessoas falecidas. João comenta que “mesmo que os trouxéssemos de volta, eles não teriam mais serventia para nós, pois os conhecimentos que neles residiam se foram com seus donos.…
selvagem
18 de novembro de 2024
Diário Veronica Pinheiro

ESCUTE AS CRIANÇAS

    Nesse dia 15 de novembro de 2024, o acontecimento não é: 420 crianças de uma escola pública falarem a uma professora sobre seus sonhos para uma escola viva. O acontecimento é: memórias de uma escola viva são despertadas em 420 crianças e em uma professora. Em fevereiro, umas das coisas que mais me chamavam a atenção era a forma agressiva com que as crianças revidavam às provocações dos colegas de classe, ou como elas simplesmente usavam da força para dizer para a outra criança se manter afastada. Eu nunca tinha presenciado crianças tão pequenas protagonizando cenas com tamanha violência. Perguntei a uma menina onde ela tinha aprendido a bater daquele jeito. A resposta foi: “Eu apanhava todo dia dos outros, então aprendi a bater. Fazendo igual ao que todo mundo faz.” “Todo mundo quem?”, essa era uma pergunta que minha mãe sempre me fazia quando eu usava “todo mundo” como sujeito da oração. E, na sequência, minha mãe…
selvagem
15 de novembro de 2024
Diário Cristine Takuá

ENCONTROS PROFUNDOS

Nos últimos dias estive caminhando por Huaraz, no Peru, a cordilheira tropical mais alta do mundo. Fui convidada a participar de uma conferência sobre Justiça Climática e Epistêmica, organizada pela WikiAcción Peru. Esse encontro reuniu vários jovens e algumas lideranças indígenas de vários povos e países. Durante a conferência, aconteceu uma roda de diálogos com dois mestres, Carlos Papá e o senhor Grimaldo Rengifo, que é um educador, escritor, pensador e investigador peruano na educação intercultural. Foram momentos de trocas muito profundas e de semear reflexões para transformação na vida. Amanheci no dia seguinte pensando na complexidade das filosofias indígenas, cujas epistemologias são ocultadas nas universidades. Ao longo da história, a humanidade se distanciou de forma violenta da natureza e a usou a seu próprio benefício, visando apenas o lucro, muito nítido na mensagem “Ordem e Progresso”, estampada em nossa bandeira. Embora a sociedade ocidental tenha seus pilares muito bem estruturados na razão  eurocêntrica, hoje todos vivem uma crise sem…
selvagem
11 de novembro de 2024
Diário Veronica Pinheiro

ALEGRIA É FORÇA VITAL

  Foto: Carol Delgado No início do ano letivo de 2024, vivi a dor de ver o medo nos olhos das crianças. Esbarrei com esse sentimento poucas vezes na vida, entretanto o reconheço no ar. Eu olhei o medo nos olhos por instantes eternos. Esse encontro foi descrito neste diário com o título de “Essa semana não recebi bilhetes”. Ali duvidei de minha capacidade de compartilhar cuidados. Mas meu coração prenhe de sonhos acreditava em tempos de dança. A dança, que eu sabia dançar, movimentava corpos e afetos largos, irreverências e gentilezas, reverências e memórias. Meu avô, sanfoneiro e brincante, ensinou para meu pai, angoleiro e brincante, que o medo se espantava com canto. “Canto é reza! Canto cura! Canta e os males se espantam.” O canto era cantado com voz e corpo. Assim, do canto surgia a dança. Cantávamos de corpo inteiro. Quando não estávamos de corpo inteiro, se dizia que havia má vontade. E de má vontade não…
selvagem
8 de novembro de 2024
Diário Cristine Takuá

O REZO COLETIVO ATIVA A CURA E ANIMA A VIDA

  Foto: Carlos Papá O rezo coletivo ativa a alegria do dia a dia, despertando a cura e direcionando os caminhos em busca de conhecimento. As Escolas Vivas também são um encontro de espiritualidades. Há alguns anos venho tecendo redes de trocas entre os povos Huni Kuï, Guarani e Maxakali. E, nessa teia de relações, a cura é uma busca coletiva através dos aprendizados trocados e do diálogo constante com as plantas e os sonhos da Terra Viva – Hamhi, da Escola Viva – Una Shubu Hiwea, do Bem Viver – Teko Porã. Tenho visto com muito encantamento os aprofundamentos das práticas de fortalecimento que têm desabrochado dessa ação que estou coordenando. Não estamos falando somente de processos educacionais teóricos, mas sim estamos buscando ativar caminhos de cura para o despertar das memórias e a efetividade da alegria como metodologia de estudo. Arte: Fabiano Kuaray Dialogar com as plantas e aprender com elas meios de se conectar com os saberes…
selvagem
4 de novembro de 2024
Diário Veronica Pinheiro

BRINCAR ACENDE O SOL

BRINCAR ACENDE O SOL por Veronica Pinheiro 01 de novembro de 2024   Brincar acende o Sol. Essa frase saiu da boca de Carol Delgado no final de uma reunião. Depois de um longo período de instabilidade e insegurança, que deixou crianças e professores entristecidos, voltamos a nos reunir com voluntários e amigos para pensar como poderíamos retomar as atividades na escola. De onde venho, alegria é medicina. Desejamos, naquele momento, voltar à escola para compartilhar ALEGRIAS. Planejamos um mês de atividades com: lançamento de livro; apresentações musicais; construção de canteiro para plantio da horta; oficina para professores e funcionários; passeio; oficina de figurino; fotografia e filmagem; teatro; A FESTA das crianças. Ao mesmo tempo em que o Ciclo Sol estava sendo compartilhado pelo Selvagem, o Grupo Aprendizagens estava na escola acendendo Sol. E as crianças, assim como o Sol de IORI, desejavam amanhecer novamente. O desespero, porém, antes de nós conseguiu chegar a alguns: uma pequena até agora não…
wonderpus
1 de novembro de 2024