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Monthly Archives

agosto 2024

Diário Cristine Takuá

A FORÇA E SABEDORIA DO FOGO

A FORÇA E SABEDORIA DO FOGO por Cris Takuá 30 de agosto de 2024   Foto: Carlos Papá   Da origem do fogo  “Antigamente, quando os Guarani ainda não conheciam o fogo, acabavam comendo cru todas as coisas que os antigos caçavam, frutas que colhiam e precisavam assar. Eles passavam muita dificuldade por não conhecer o fogo.  Então, um dia, um Guarani Mbya viu um abutre voar lá no alto e pensou: “Eu acho que vou ter que conversar com alguém. Como que eu posso fazer para cozinhar as coisas ou até mesmo me esquentar quando faz frio. Como posso resolver? Alguém nesse mundo deve saber. Bom, vou começar pelo abutre”.  O abutre voava lá no alto e o Guarani estava só esperando a oportunidade. Um dia, o abutre estava tomando Sol pousado no chão, então o Guarani Mbya chegou bem devagarinho. Devagarinho, perguntou assim: “Tomando Solzinho, tomando Sol?” O abutre falou: “E o que você anda fazendo? Você vai…
wonderpus
30 de agosto de 2024
Diário Veronica Pinheiro

O SENHOR DO QUINTAL

O SENHOR DO QUINTAL por Veronica Pinheiro 27 de agosto de 2024   Os quintais que conheci eram regidos por senhoras. As senhoras dos quintais. Cresci sem um quintal para chamar de meu. No entanto, imergia semanalmente no quintal de Dona Irene, minha avó. Um quintal cheio de plantas, árvores e água. Planta para comer, para banhar, fazer chá, para benzer e para enfeitar os olhos. Quintais são lugares suspensos, onde se brinca de ser até chegar a hora de ser. Assim como eu, a maioria de meus pequenos companheiros nessa jornada de despertamento de memórias na Favela da Pedreira não tem um quintal em casa. Andando por quilombos e aldeias fico pensando sobre quintais, terreiros e a ausência de lugares comunitários em espaços urbanos periféricos. A ausência desses espaços de brincar influencia no sentido comunitário, pois, quando os seres brincam, representam o mundo em sua volta e os mundos que carregam nas memórias. Brincando, o passado e o presente…
selvagem
27 de agosto de 2024
Diário Cristine Takuá

SONHO DA TERRA VIVA

SONHO DA TERRA VIVA por Cristine Takuá 22 de agosto de 2024   Foto: Cristine Takuá  Essa terra é nossa.  Nũhũ yãgmũ yõg hãm. Por que essa terra é nossa?         Sem a terra não tem escola diferenciada. Sem a terra não tem saúde diferenciada. Porque nós lutamos para conquistar a terra. Realizamos nosso sonho e hoje vamos criar muitos projetos em cima da terra. Da nossa terra. Por que nós chamamos Aldeia-Escola-Floresta? Porque onde tem aldeia, tudo é “sala de aula”. Onde tem árvore e sombra é “sala de aula”. As crianças vão cantar o nosso ritual. Imitam. Na beira do rio, elas vão brincar, cantar e escrever na areia. Tudo é “sala de aula” dentro da aldeia. Todos os homens vão para dentro do mato e vão cantando dentro do mato. Vão tirando madeira e vão cantando. Por isso, colocamos o nome Aldeia-Escola-Floresta, porque toda a aldeia é escola. Onde tem sombra, as mulheres vão se juntar e fazer os…
selvagem
22 de agosto de 2024
Diário Veronica Pinheiro

QUEM TEM O PODER DE REPRESENTAR TEM O PODER DE DEFINIR E DETERMINAR A IDENTIDADE

QUEM TEM O PODER DE REPRESENTAR TEM O PODER DE DEFINIR E DETERMINAR A IDENTIDADE por Veronica Pinheiro 20 de agosto de 2024     — Eu fiz mágica! — disse um menino de sete anos de idade quando conseguiu fotografar seu amigo com uma câmera profissional. Ele olhou o visor da câmera, parou e quase não respirava. Eu vi seu corpo em silêncio absoluto. Vi o silêncio pela primeira vez. De fato, ele fez mágica. Um pajé sabe quando faz a cura, um professor sabe quando dá aula. E um mágico sabe quando faz mágica. Esse menino escolheu como representar seu amigo. Cuidadosamente escolheu ângulo e momento. Ele se viu no amigo e representou seu amigo como gostaria de ser representado. Talvez ele não saiba, mas quem tem o poder de representar pode determinar identidade. Mesmo sem saber, meu pequeno companheiro percebeu a força daquele ato. As escolas de ensino regular, em sua maioria, mantêm os alunos o tempo…
selvagem
20 de agosto de 2024
Diário Cristine Takuá

ACORDAR DO DIA

ACORDAR DO DIA por Cristine Takuá 15 de agosto de 2024   Desenho: Isael Maxakali   CANTO DO POVO DE UM LUGAR (Música de Caetano Veloso traduzida para Maxakali) Todo dia o Sol levanta  E a gente canta o Sol de todo dia  Finda a tarde a terra cora  E a gente chora porque finda a tarde  Quando à noite a lua mansa  E a gente dança venerando a noite  TIKMÛ’ÛN KUTEX HÃM PUXET TU Mãyõn yã hãm tup pip ma xupep  Hakmû tuk kutex mõkumak hãmtup pip ma Mõnãm tûmnãg tu yã nãm te hãm’atã nãhã  Iîg mûg potaha ãmãxãgnãg yî  Mãyõnhex ãmniy pipma nõgtap  Yîg mû ãte hãm yãg ûmõg me’ex ãmnîyhã Arte: Isael Maxakali Na bruma suave que envolve o amanhecer, crianças, jovens, avózinhas e adultos se misturam numa melodia de risos, cantos e contação de sonhos. A fumaça da fogueira, junto ao foguinho que faz o café ou esquenta a água para o chimarrão, se faz…
selvagem
15 de agosto de 2024
Diário Veronica Pinheiro

O SOL HÁ DE BRILHAR MAIS UMA VEZ

O SOL HÁ DE BRILHAR MAIS UMA VEZ por Veronica Pinheiro 13 de agosto de 2024   “O único jeito de guardar dados a longo prazo, tipo verdadeiro longo prazo, é em relações intergeracionais, onde dados são guardados em narrativas, narrativas intergeracionais. Podem durar quarenta, cinquenta, sessenta mil anos. Podem durar enquanto houver relações continuadas – aqueles dados durarão. É a única maneira de guardar dados a longo prazo” Tyson Junkaporta¹   Um dia ouvi do mestre Nego Bispo: “Não somos decoloniais, somos contracoloniais. Você não precisa da academia para falar das coisas que sua avó lhe ensinou. Foram as coisas que sua avó lhe ensinou que mantiveram você viva”. Diariamente professores, educadores e estudantes me perguntam sobre referências bibliográficas. Fomos educados para confiar no que dizem os livros. Porém, antes de existirem livros sobre plantas medicinais, raizeiros, pajés, rezadeiras compartilhavam com suas comunidades medicinas e terapias. Os saberes intergeracionais seguem fluindo e confluindo. Não refluem. Os saberes acadêmicos refluem:…
selvagem
13 de agosto de 2024
Diário Cristine Takuá

JEROKY, BROTO FLEXÍVEL

JEROKY, BROTO FLEXÍVEL por Cristine Takuá 08 de agosto de 2024   Foto: Alexandre Maxakali “Tudo que nasce é como um broto. Tudo que brota, dança: ojeroky. Assim, dançando, as coisas surgem e crescem. O termo Guarani jeroky é traduzido como “dança”, mas, se nos aprofundarmos em sua raiz, significa “desabrochar-se como uma nova semente”. “A nova semente germina na escuridão do subsolo e dela desponta a raiz que vai se propagando. Aparece a primeira folha que, dançando, precisa sair do subterrâneo em busca de luz. Com nossos corpos acontece o mesmo: precisamos dançar para sair do ventre materno em direção à luz.” Carlos Papa e Anai Vera (https://piseagrama.org/artigos/jeroky-a-danca-do-broto/) Foto: Cris Takuá Em meio à profundeza do escuro, há milhares e milhares de tempos fez-se desabrochar a vida e tudo que habita o mundo, assim nos contam os pensadores Guarani. Desde a gestação na barriga de sua mãe, o bebezinho dança, baila e surge de forma natural ao mundo. E…
selvagem
8 de agosto de 2024
Diário Veronica Pinheiro

A AVÓ, AS CRIANÇAS E AS ÁGUAS

A AVÓ, AS CRIANÇAS E AS ÁGUAS por Veronica Pinheiro 06 de agosto de 2024   “As águas são como nossas parentes. Antigamente, os meus avós diziam que não se jogava sujeira na água, pois é a mesma coisa que jogar uma sujeira no olho de nossa avó ou da nossa mãe”, kujá Iracema Gah Teh    Foto: Tania Grillo Uma conversa líquida e circular. Confluências entre uma avó Kaingang, as crianças do Rio e as águas da Baía de Guanabara. Ela, do Rio Grande do Sul. Elas, do Rio de Janeiro, nascidas nas proximidades do Rio Acari. A Baía, um estuário de inúmeros rios, um corpo d’água parcialmente encerrado, formado pelo encontro das águas doces que se misturam com a água salgada do mar. A avó, as crianças e as águas se encontraram na cidade do Rio de Janeiro, no Morro do Pão de Açúcar.   Na agenda escolar das crianças, a atividade consta como passeio escolar; chamo, porém, de…
selvagem
6 de agosto de 2024