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Cristine Takuá

TECENDO PONTES ENTRE MUNDOS

By 13 de março de 2025junho 13th, 2025No Comments

Tecendo pontes entre mundos

Cristine Takuá

13 de março de 2025

 

“A embaúba, tuthi, é a fibra-mãe porque é mágica.
Pode fazer com que mulheres se transformem em sucuris, pode produzir abelhas,
realizar caças e tecer caminhos que chegam até as aldeias celestes.”

 

Há muito tempo, eu sonhava em fazer um entrelaçamento de saberes com a presença dos pajés Maxakali e da anciã Delcida com os jovens Guarani, para juntos caminharmos na mata e intercambiarmos os saberes da Nhe’ëry.

Fotos: Anna Dantes

Delcida Maxakali é mestra dos cantos, das histórias e da arte da embaúba, sendo uma das principais anciãs da Aldeia-Escola-Floresta. Nascida em uma das aldeias mais antigas da Terra Indígena Maxakali, no Pradinho, Delcida guarda na memória a história dos deslocamentos dos seus ancestrais pelo território, preservada em seus cantos e contos. Durante anos viveu na reserva de Aldeia Verde enfrentando enormes dificuldades para o acesso à água. Apesar da idade avançada, foi uma das principais lideranças a decidir pela saída do território, em julho de 2020. Hoje, é uma grande incentivadora da Escola Viva na Aldeia-Escola-Floresta, um espaço de preservação do patrimônio cultural e conservação ambiental do território Maxakali.

Fotos: Rodrigo Duarte

Foi muito forte e significativo para o grupo da Escola Viva Maxakali sentir a floresta viva, nos cantos dos pássaros, na água cristalina, nas muitas medicinas encontradas no caminho e nas fibras de embaúba recolhidas. A todos encheu de alegria coletar mudas de jaborandi para levar para as mulheres usarem após o parto.

Foto: Rodrigo Duarte

Com a permissão dos Ija kuery e dos yãmĩyxop, dos dias 12 a 18 de dezembro de 2024, realizamos na Escola Viva Mbya Arandu Porã uma residência artística e espiritual. O encontro reuniu jovens da Escola Viva Guarani da Tekoa Rio Silveira e uma família Guarani de Piaçaguera, Suri Jera, Samira Mindua, Josiane Pará e Simone Jaxuka, 14 representantes da Escola Viva Maxakali, coordenados por Sueli Isael Maxakali, um artista do povo Witoto Aimema Uai, da Colômbia, Freg Stokes, escritor, performer e cartógrafo de Melbourne, da Austrália, Brisa Flow, cantora, compositora, MC da cultura hip hop e seu companheiro Ian Wapixana, artista que, junto com Caio Tupã, captou sons durante o encontro. Também tivemos a presença de Anita Ekman, curadora e artista independente, de Sandra Benites, educadora, curadora e representante da Funarte, de Anna Dantes, editora, coordenadora e idealizadora do Selvagem ciclo de estudos sobre a vida, de Verônica Pinheiro, educadora e coordenadora do grupo Aprendizagens do Selvagem e de Alice Faria, tradutora e coordenadora do grupo Traduções do Selvagem, além de DéboraRenataTajiana e Ronia, que participaram pelo Instituto Goethe. Rodrigo Duarte, artista visual, captou imagens e sons para juntos comporem um material criativo da residência, Anai Vera, antropóloga, ajudou a organizar o encontro, e Ana Estrela, antropóloga, representou o Museu das Culturas Indígenas.

Fotos: Alice Faria e Rodrigo Duarte

Através das trocas pudemos tecer pontes entre muitos mundos através da arte e do pensamento ancestral dos povos que se reuniram para transmitir mensagens de regeneração e ampliação da consciência. O intercâmbio entre o povo Guarani e Maxakali possibilitou um mergulho na floresta Nhe’ëry, Mata Atlântica, em busca de embaúba, planta nativa na nossa floresta para extrair sua fibra e produzir artes que curam e encantam. Através dos cantos, as mulheres Maxakali dialogam com as formigas e o espírito da embaúba para pedir permissão para sua colheita. Durante as andanças em meio à floresta, muitas plantas medicinais e mudas também foram identificadas e coletadas.

Fotos: Anna Dantes e Carlos Papá

As Escolas Vivas conduziram todo o processo da residência. Junto com os artistas presentes, produzimos uma grande tela coletiva com seres da floresta. Também foram produzidas algumas telas-mapas que traçam os territórios onde os povos representados habitam. As crianças, guiadas pelo brilho de Veronica, mexeram com argila e produziram formas, com tintas naturais pintaram telas com narrativas animadas e, com folhas, produziram desenhos com a luz do Sol.

Foto: Carlos Papá

Fotos: Rodrigo Duarte e Anna Dantes

Na lua cheia de 14 de dezembro, realizamos uma cerimônia espiritual para celebrar a união dos povos da floresta e para fortalecer os processos de cura do corpo e da terra através do diálogo com o espírito da planta.

Foto: Rodrigo Duarte

Cada ensinamento, cada história contada pelos pajés, cada canto entoado pelos jovens pelas crianças e anciãos formaram um laço de força e transformação. Raios, relâmpagos, trovões e muito vento acompanharam a semana em que estivemos reunidos em minha morada, Tekoa Rio Silveira.

As águas cristalinas que descem das montanhas da Serra do Mar encantaram a todos, principalmente a anciã Delcida Maxakali, mãe de Isael e bisavó de Bidé, Cassiel.

Foram dias mágicos

Dias de curas e reencantamentos

As Escolas Vivas seguem pulsando

Dentro de nossos corações

E lá no fundo de nossas

Memórias mais profundas.

Fotos: Rodrigo Duarte

 

 

*   *   *

Juntando forças e desejos, Selvagem e Goethe-Institut colaboram na realização e documentação da residência na Escola Viva Guarani no âmbito do projeto Cosmopercepções da Floresta, o qual  atravessa as conexões planetárias das florestas e as práticas de seu manejo para uma construção coletiva cultural pelos povos da floresta. Com cinco residências na América do Sul e na Europa, a iniciativa do Goethe-Institut Rio de Janeiro centraliza territórios tradicionais, mapeia a história ambiental das florestas e evidencia conexões científicas e cosmológicas. Esse projeto tem como ponto de partida iniciativas existentes em territórios indígenas e tradicionais que trabalham para regenerar as relações entre muitas espécies, humanas e não humanas, com base nos modos de vida dos povos da floresta.  

A residência na Aldeia Rio Silveira criada por Cris Takuá e Carlos Papá realiza o encontro de lideranças indígenas de diversos territórios em volta da construção da casa de reza, além do laboratório das plantas e das ações da Escola Viva Guarani. A Escola Viva é uma iniciativa do ciclo Selvagem. A Escola Viva fortalece e transmite saberes tradicionais de diversos povos indígenas, incluindo os Maxakali, Huni Kuï, Tukano-Dessano-Tuyuka, Guarani e Baniwa.