TAKUAPU, ECO DO SOM DO SABER
por Cristine Takuá
27 de junho de 2024
Arte: Cris Takuá
“Nhanderu ma ombojera raka’e takua’i, ramo haema kyringue kunhã’i oiko ramo ojapo huka’i tuu pe Takuapu’i há’e yn vy ma Ajaka’i, Nhanderu oikuaa huka’i raka’e kunhangue’i pe guãrã, nhandevy oeja nhande rete oapresenta haguã, há’evy há’epy nda’evei avakue pó rupi rive ju jaxevavai haguã, nhandere reko porã’ in haguã py nhanembou. Any ramo takua’i ipiru pa’i harami havi nhanderete nhaendu jaiko axy vy.”
“O Deus gerou a takuarinha, por isso, quando nasce a bebê menina, o pai faz um Takuapu’i (taquara sonora) ou Ajaka’i (cestinha). Nhanderu gerou takuarinha, para ser o símbolo das mulheres Guarani, por isso nós, mulheres, temos que ser bem cuidadas pelos homens. Não foi em vão que Nhanderu mandou nós pra Terra. Nosso corpo é sagrado, se não for bem cuidado, a takuarinha seca. É desse modo, que nos sentimos quando ficamos feridas por fora e na alma.”
Mariza de Oliveira, aldeia Itanhaém, Biguaçu/SC
Na concentração da noite enluarada se manifestam os cantos das mulheres que, em suas rezas, se conectam com os espíritos guardiões de tudo o que habita a floresta. No compasso desse entoar de vozes e pensamentos, ecoa no chão de terra batida o Takuapu, instrumento musical feito de takuara, que faz conexões entre o Céu e a Terra e entre o visível e o invisível. Em minhas sensíveis meditações alcancei o entendimento sobre o Eco do Som do Saber. Esse significado tão profundo desse instrumento me remete à força e à coragem de seguir em busca do equilíbrio, da serenidade e saúde do corpo, da mente e do espírito.
A Takuá tem muita utilidade na vida Guarani, além de ser um ser sagrado e de muita sabedoria. Com ela, as mulheres trançam a palha para fazer balaio, e também para fazer o telhado das casas. Também se faz o pari, para pegar peixe. São muito importantes todos os usos e a convivência com a takuara na vida Guarani. O Takuapu, esse bastão musical que as mulheres tocam durante sua reza, tarova e também mborai, é feito do tronco da takuara. As mulheres também têm conhecimento do uso da geleia da takuara para amaciar o cabelo e a pele. Das takuaras também nasce o takuaraxó, uma larva que brota no centro do tronco e serve como alimento. E do Takuaruçu, uma takuara específica, toda cheia de espinhos, nasce um takuaraxó que serve como medicina para orientar e dar visões tanto para o povo Guarani como para os Maxakali. As larvas da takuara só nascem a cada 30 anos e servem como um modo de contar a idade da pessoa. Se tem 30 anos, diz que tem uma takuara, se tem 60, duas takuaras. Tem gente que chega a viver três ou até quatro takuaras.
Foto: Carlos Papá
O ciclo de vida da takuara está relacionado ao conhecimento da vida Guarani. Com 30 anos, a takuara morre, seca, depois floresce e dá essa larva. A takuara tem um sumo quando amadurece, e as larvas vão comendo esse sumo. Então a takuara seca e as sementes caem, voam por aí. Os ratinhos, os passarinhos comem as sementes, mas algumas brotam. E o broto vai se espalhando, criando touceira.
Estamos observando que está diminuindo muito as takuara na floresta, possivelmente pelo aquecimento do clima da Terra, mas também porque os mais jovens não estão mais sabendo respeitar o ciclo de vida dela ou não estão mais se importando com isso e dessa forma. Ela não está conseguindo amadurecer e se espalhar como antes. Tudo na vida tem seu ciclo e seu tempo de se transformar e renascer. Respeitar o tempo de cada coisa é saber caminhar lentamente sobre o território.
Foto: Carlos Papá
Carlos Papá conta: “desde que a takuara surgiu no mundo, já fizeram coisas que não se devia fazer com ela, por isso ela se transformou em palha. A takuara, que a gente chama Takuá, é uma das filhas de Nhanderu Papá, nosso pai celestial. Dizem que Anhã, irmão de Nhanderu, queria ter uma companheira e se interessou por uma das filhas de Nhanderu, a linda Takuá. Anhã pediu ao seu irmão que a sobrinha pudesse o acompanhar pelo mundo. Nhanderu aprovou, mas disse que ela jamais poderia entrar na água. Poderia até se molhar, mas nunca mergulhar. Anhã ficou muito feliz, e Takuá o acompanhava em todos os lugares. Teve um dia em que eles foram até uma cachoeira. Anhã mergulhou na água e ela ficou olhando. Então ele a convidou para entrar, mas ela não quis por causa da recomendação do pai. Porém, Anhã não acreditou que haveria problema e a puxou pelo braço. Ele disse que o irmão implicava com tudo que era gostoso, por isso havia proibido. Takuá pediu então que Anhã não a soltasse. Ela estava gostando muito! Mas ele acabou soltando seu braço para que ela experimentasse mergulhar no rio. Não vendo mais a moça, Anhã tentou puxá-la novamente pelo braço e tirou da água um cesto. Ele começou a gritar por ela, mas só havia o cesto, que começou a se desfazer. Depois Anhã foi até o irmão com o cesto desfeito na mão. Disse que Takuá tinha desaparecido e ficou apenas aquela palha. Nhanderu pediu a palha e trançou de novo o balaio. Fez balainho bem bonitinho de novo e encostou de lado. Disse então a Anhã que agora Takuá não iria mais com ele, pois ela não lhe servia de companheira. Anhã disse que não queria mais aquela mulher porque ela era de palha e era muito complicada. Então Nhanderu disse à Takuá que ela ensinaria as mulheres como ser bela e fazer coisas bonitas. Takuá até hoje vive num lugar de Nhanderu amba, a morada celestial. Chamam Takuá as mulheres que têm o Nhe’e, o espírito, desse lugar. Elas são muito cuidadosas e verdadeiras, Takuakypy’y, as irmãs mais novas de Takuá.”
Arte: Wera Mirim