EMBAÚBA, FIBRA MÁGICA E MÃE DO TEMPO
por Cristine Takuá
13 de setembro de 2024
Desenho: Isael Maxakali
O povo Guarani nomeia a embaúba de amba’y, o povo Maxakali de tuthi: ela é uma planta mágica e muito sagrada para muitos povos. Há dias estou envolvida com seus encantos, observando suas formas, seus saberes e potências. Dias atrás recebemos a visita dos coordenadores da Escola Viva Maxakali, Isael e Sueli, junto com a tia Juraci e os netinhos. Caminhamos pela floresta, coletamos mudas de embaúba e tiramos sua fibra que, além de ser matéria-prima para tecer, também é usada em cerimônias espirituais. As mulheres Maxakali sempre andam com um macinho de linhas de embaúba para rezar seus filhos, caso sintam algum desconforto físico ou espiritual.
Sueli Maxakali disse que a embaúba, tuthi, é a fibra-mãe porque ela é mágica, e pode fazer com que as mulheres se transformem em sucuris. Ela também pode produzir abelhas, realizar caças e tecer caminhos que chegam até as aldeias celestes. É muito forte a relação das mulheres com esta planta-espírito, e seus saberes são repassados há muitas gerações através do canto. Quando fomos na mata para cortar e tirar sua fibra, houve toda uma preparação com cantos e pedidos de licença para iniciar o trabalho. Não só no momento de extração da fibra, mas em todas as etapas da produção: ao raspar, tirar a linha, secar, enrolar o fio com saliva, há uma relação e uma conexão com os povos-espíritos, os yãmĩyxop. E, através dessas relações com essas árvores-mães em cada fio entrelaçado, vão se tecendo, com os cantos, história e memórias ancestrais.

Fotos: Carlos Papá
Há uma narrativa que conta como, engolindo uma linha de embaúba feita pela mãe, uma mulher ancestral se transformou em sucuri. Essa é a história de kãyãtut, a mulher que vira “cobra-mãe” ou “cobra grande”, por meio de uma linha de embaúba, e se vinga do marido que se recusava a cuidar dela durante o resguardo menstrual. Em vez de cuidar de sua esposa e preparar sua comida, ele preferiu ir caçar antas. A esposa, enfurecida, pediu para sua mãe fazer uma linha de embaúba bastante grossa e comprida e se embrenhou na mata. Na floresta, ela enfiou a linha em seu corpo, fazendo-a entrar pelo ânus e sair pela boca. Amarrou a extremidade superior numa árvore e a esticou até se transformar – ela mesma – em sucuri. Ao virar cobra, a mulher atraiu o marido imitando a voz das antas e, quando ele chegou até ela, o cercou, o prendeu e o engoliu. Em seguida, submergiu nas águas profundas de uma lagoa. Quando ela saiu da água, o marido, ainda vivo dentro dela, cortou a pele da sua barriga com um caco de pedra e saiu voando, pois tinha se transformado em pássaro. A mulher-cobra, ferida profundamente, se agitou contra as árvores até morrer.
Foto: Cris Takuá
São muitas as narrativas que trazem a embaúba como parte de memórias muito antigas. Tanto os humanos quanto os animais, como aves, formigas e preguiças, honram e exaltam sua existência.
Hoje, me preparando para finalizar o diário desta semana, logo de manhã encontrei uma preguiça toda tranquila na floresta. Lembrei de Sueli e Isael e de todos os meus parentes Maxakali, que sonham com a floresta viva de novo. Mandei uma foto.
Logo em seguida Isael me respondeu cantando para preguiça, e assim também fiz.
Fiquei escutando o canto-rezo de Isael com a preguiça, que gosta tanto das embaúbas e veio logo cedo dar um salve e alegrar nosso amanhecer….
Um pouquinho depois, Isael me envia um desenho que ele fez da embaúba e da preguiça.
Assim seguimos nossas conexões nas Escolas Vivas, cantando, sonhando e caminhando lentamente….
Fotos: Cris Takuá