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Diário Veronica Pinheiro

CARTA A CRISTINE TAKUÁ

By 14 de outubro de 2024julho 14th, 2025No Comments
CARTA A CRISTINE TAKUÁ
por Veronica Pinheiro

14 de outubro de 2024

 

Coral de crianças Jenipapo-Kanindé, Tapera das Artes

Minha querida mestra,

Trago boas notícias das terras Jenipapo-Kanindé. Às margens da Lagoa Encantada encontrei pessoalmente Viviane e Adelsin; e sim, eles são muito especiais. As Boas Águas nos trouxeram aqui. Aqui sonho e vida coexistem. As crianças cantam, os jovens sonham e os professores sorriem.

Viviane e Adelsin me falaram das Casinhas de Cultura  e de como conheceram a Tapera das Artes, uma “Escola da Vida” que através da música e das artes promove encantamentos e mudanças significativas na vida das crianças.

Foram dois dias de encontro com professores, educadores, artistas e crianças. Éramos muitos,  porém em alguns momentos tive a sensação de sermos um. A alegria e o amor, verdadeiramente, são forças que movimentam o hoje, ao mesmo tempo que curam o ontem e preparam o amanhã. Por aqui presenciei lindos movimentos de confluência e ouvi muitas histórias de despertamentos de memórias. Da renda ao canto, da cerâmica ao pífano de taquara, o fortalecimento do território dialoga diretamente com as relações intergeracionais.

Aqui compartilhei um pouco de nossa jornada e contei sobre como temos remado a canoinha junto ao Selvagem Ciclo. Falei das Escolas Vivas e que só vim por que você construiu caminho. Estou muito emocionada por conta das conexões criadas. Volto mais forte e acreditando que o diálogo com professores e escolas é um caminho possível nesse percurso de reencantamento. A educação escolar é, em muitos momentos, um processo de docilização dos corpos e de cerceamento da liberdade de pensamento. Mas encontrei aqui em Aquiraz professores da terra, mestres e mestras que não perderam a conexão com  o território nem com a vida natural. Estamos no segundo dia de encontro e os mesmos 400 professores de ontem  estão aqui hoje para pensar em como não deixar o currículo tirar das crianças a relação de amor com a vida.

O Rio Pacoti e o Rio Catú também foram chamados para a conversa. Por perdemos a relação com a natureza, somos obrigados a terceirizar as relações naturais de aprendizagens. As crianças de Aquiraz cada vez menos se relacionam com os Rios, muitas delas agora só aprendem a nadar se a família tiver dinheiro para pagar por aulas de natação. O que antes era uma relação entre criança e rio, uma relação natural de aprendizagem, agora é uma relação comercial entre aluno e instrutor de natação. Foi lindo saber que os professores de Aquiraz reconhecem que as águas são professoras.

É lindo saber que existem Escolas Vivas e Escolas da Vida; ponto de cultura e casinhas cultura; professores sonhadores e sonhadores realizadores. É lindo sentir que podemos seguir em confluências assim como os rios de Aquiraz. Como dizia meu mestre, Nego Bispo: “Um rio não deixa de ser um rio porque conflui com outro rio, ao contrário, ele passa a ser ele mesmo e outros rios, ele se fortalece.”

Dessas terras Jenipapo-Kanindé, saio espiritada e fortalecida pelos cantos das crianças Jenipapo-Kanindé.  Ao som do canto das crianças, das bençãos de Silvia e dos apitos de cerâmica feitos na Tapera das Artes, me despeço.

Até sábado, minha mestra.

Da esquerda para a direita: Veronica Pinheiro, Viviane Fontes, Adelsin, Lucilene Silva