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Diário Veronica Pinheiro

PISANDO SUAVEMENTE NA TERRA OU PRIMEIRO BIMESTRE ESCOLAR

By 9 de abril de 2024novembro 27th, 2025No Comments
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PISANDO SUAVEMENTE NA TERRA OU PRIMEIRO BIMESTRE ESCOLAR
Veronica Pinheiro

09 de abril de 2024

 

Colagem: Lívia, 7 anos | Aula: Eu sou natureza
Foto: Veronica Pinheiro

 

Chegamos ao Complexo da Pedreira, por uma escola. Temos muitas críticas ao sistema educacional que homogeiniza pensamentos e modos. A crítica é ampla, não está direcionada a professores ou a uma secretaria de educação específica. A escola de ensino regular cumpre bem o seu papel no projeto da imposição civilizatória europeia. Essa imposição traz como consequência, para os povos afro-pindorâmicos, uma distorção de identidade, uma vez que a escola nos ensina a ver por meio dos olhos do colonizador. Já disse Leonardo Boff:

“Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam.” 

Ao ignorar saberes e ciências que não estão contidos, intencionalmente, em seus manuais, a escola provoca um processo de desterritorialização de crianças dentro de favelas, quilombos e aldeias; e assim deslegitima os conhecimentos trazidos pelas crianças e famílias, obrigando alunos a adotar a língua e a linguagem do dominador.

Já testemunhei (como aluna, professora, coordenadora pedagógica e diretora escolar) muitas violências físicas e simbólicas cometidas dentro da escola. A violência simbólica é a violência “invisível”, que subjuga e aprisiona os sujeitos. Temos muitas críticas, no entanto não podemos ignorar que, no Brasil, crianças e adolescentes urbanizados, principalmente nas periferias, estão tão vulnerabilizados que a escola pode se tornar um espaço de construções interessantes. Então… se a escola é um lugar de homogeneização e docilização de populações, ela também pode vir a ser um lugar de ruptura.

Qual seria então o elemento disruptivo?

Cris Takuá, minha mestra, me ensina a não apostar em respostas prontas, mas na semeadura de possibilidades de transformação que sustentam mundos. Acreditamos no fortalecimento dos territórios através do acordamento de memórias recentes e memórias muito antigas. Sendo o tempo circular, o que será e o que já foi estão sensivelmente conectados. Contar histórias para acordar não é apenas para o despertamento de uma consciência sócio-histórica, mas para firmar pilares que possibilitem uma leitura de si por meio dos seus próprios olhos.

Por esses e outros motivos, não poderíamos, porém, chegar à escola simplesmente dizendo a professores e a alunos que eles precisam pensar de outra forma. Estamos construindo diálogos, vínculos e não aplicando uma proposta esvaziada de contextos. Chegamos pisando na terra suavemente. Muitos pais de alunos estudaram quando crianças na E.M.P. Escragnolle Dória e foram alunos das professoras que dão aula a seus filhos. Algumas professoras trabalham há mais de 15 anos aqui. É fundamental ouvir essas histórias.

Encerramos o primeiro bimestre animados. A professora do primeiro ano nos convidou para planejarmos juntos as atividades dos próximos bimestres, incluindo em seu planejamento a ideia de uma escola viva. Alguns professores estão acompanhando voluntariamente as oficinas das crianças na escola e as rodas de leituras. Outros me acharam no Instagram e chegaram ao Selvagem.

Diretoras e coordenadora pedagógica também começaram a sonhar conosco. Até o Sol, tema do ciclo de estudos Selvagem em 2024, passará a fazer oficialmente parte do Projeto Pedagógico Anual da escola – PPA. Não fizemos palestras ou reuniões para falar dos ciclos para a equipe pedagógica, o proselitismo não faz parte do pensamento Selvagem. Como se deu então as parcerias? Pela magia do encontro. O encontro é capaz de criar vínculos de vida de maneira orgânica, natural e confluente.

 

“Que possamos então nos animar
e nos animar uma vez mais,
Nhamandu pai verdadeiro primeiro!”¹

Foto: Veronica Pinheiro

 

¹A fala sagrada: mitos e cantos sagrados dos índios Guarani I. Pierre Clastres; tradução Níeia Adan Bonatti. – Campinas, SP.