KA’A, ERVA-MATE
Cristine Takuá
04 de abril de 2024

Desenho: Cris Takuá
Kunhã Tatá, Doralice, foi como uma avózinha pra mim, uma professora. Ela me apresentou e me ensinou sobre a sagrada mestra da Nhe’ërÿ: a Ka’a.
Ela contava que Ka’a e Takuá eram as filhas de Nhanderu. Um dia, andando pela Terra, ele pegou um galhinho de cedro e assoprou, criando assim uma criança, que brincava e urinava por todo canto. Então nasceu um brotinho de erva mate, a Ka’á. Era uma menina e ela já cantava com takuapu. Por isso que até hoje as mulheres cantam batendo o bastão de taquara no chão.
Takuá e Ka’a foram embora com Nhanderu quando o mundo pegou fogo, a água grande veio e acabou tudo. Mas, até hoje, os Guarani têm erva mate para fazer chimarrão e taquara para o takuapu, e para trançar a palha para peneira e balaio.
Os nhe’e kuery, os espíritos que moram com Nhanderu, estão falando para os rezadores que a terra vai acabar outra vez. Antigamente já houve um período de escuridão. Não amanhecia mais, assim mesmo veio a água.
Nessa terra onde nós estamos agora, mais cedo ou mais tarde isso também vai acontecer. Se isso não acontecer, a gente não vai aguentar mais o calor aumentando, e vai vir a chuva, e vai vir yapó há’puá tatareve’gua, barro com fogo do céu.
Nhanderu acha que o mundo já está muito velho e quer limpar a terra.
Assim Kunhã Tatá nos contava, dando orientações de como caminhar pela Terra, saber respeitar o tempo, entendendo as direções do vento, das nuvens e dos trovões.
Para o povo Guarani, o tempo se divide em dois: Ara Ymã, o tempo velho, e o Ara Pyau, o tempo novo. Sempre que há mudanças dos tempos, costuma-se fazer a cerimônia da Ka’a para proteção e fortalecimento.
Agora estamos iniciando mais um Ara Ymã, tempo de concentração e resguardo. Não há uma data exata do dia em que mudam os tempos. Mas Tupã kuery, os trovões, passam avisando e os rezadores entendem o sinal e logo já orientam os tembiguai, guardiões da casa de casa, para irem colher a Ka’a.
Durante a cerimônia de consagração da Ka’a aprendemos muito, vemos muitas coisas que ela nos mostra e nos coloca no nosso lugar, nos direcionando para seguir o tempo que se inicia com sabedoria e tranquilidade.

Foto: Carlos Papá
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No meio da madrugada
Em meios aos cantos dos tarova
Concentrada no pilão
Me senti esverdejar
Era a força da mestra curandeira,
Ka’a, professora dos tempos
Filha de Nhanderu
Que lindamente eu a vi saudar
O sagrado Nhamandu Mirim, Sol,
que lentamente estava a se levantar
Com sua cauda irradiante
Amarelando todo nosso lar
opy’i, casa de rezo
Nossa escola viva a bailar
Ensinando e aprendendo
Assim seguimos a caminhar.
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Fotos: Cris Takuá

