Skip to main content
Escolas Vivas

CORPO – CASA – TERRITÓRIO

By 23 de maio de 2024novembro 27th, 2025No Comments
Voltar
Início
CORPO – CASA – TERRITÓRIO
Cristine Takuá

23 de maio de 2024

 

Arte de Cris Takuá

Nosso corpo é território

É casa, é morada ancestral

Nossa casa é a floresta

E através dela atravessamos

um cristalino portal

Nosso território é beira do rio,

É montanha e manguezal

Somos o emaranhado de uma teia

de colorido natural.

A floresta pulsa 

e os seres sagrados que nela habitam

estão a nos observar em meio ao vendaval

Respeitar os espíritos da floresta

Deveria ser o princípio inicial

das relações de transmissão de saberes 

e conhecimentos 

desse nosso mundo atual.

Arte de Kaue Karai Tataendy

 

Tecendo mundos vamos aprendendo a nos relacionar com os espaços que nos circundam. Desde a primeira morada que nos acolhe no útero de nossas mães começamos a perceber e a sentir a dimensão dos muitos territórios que habitamos. Nessa grande teia de relações somos concebidos com modos de pensar e existir conectados com uma memória ancestral, um acervo de saberes e fazeres que habita nossos corpos e existe em muitas camadas. O corpo, casa, território, esse mundo de conexões profundas está passando por modificações significativas devido ao processo de mecanização das relações. A inteligência artificial, cada vez mais presente na vida e nas convivências humanas, tem feito com que as ferramentas ancestrais de comunicação, como a telepatia, a intuição e os sonhos fiquem silenciados no dia a dia de muitos seres.

A nossa grande morada, a nossa casa sagrada, é a floresta. E ela não está presente somente dentro da nossa casa, mas nas cachoeiras, nas montanhas, em todos os espaços onde se constitui o tekoa, que é o território onde se vive, onde se planta, onde se cria, onde se brinca, onde se é possível conviver de uma forma coletiva, de uma forma verdadeira. Sinto que todo o nosso corpo, toda a forma como a gente se coloca no mundo, estão sendo chamados para uma transformação, um redirecionamento. Independente das nossas origens, das nossas posições políticas, filosóficas ou epistemológicas, precisamos ter um compromisso ético com a vida e, assim, conseguir equilibrar o sopro de amor que sai das nossas palavras com o compasso dos nossos passos ao caminhar. Esse é o grande desafio que temos que superar para conseguirmos avançar, com coerência e serenidade, sem sermos constantemente contraditórios nas nossas ações.

Arte de Jera Mirim

 

Ao longo da história, a humanidade se escorou em uma razão que não coloca os outros seres no diálogo. Os humanos criaram, inventaram, modificaram, destruíram o equilíbrio da natureza. E esqueceram de perceber que as formigas, as abelhas, o vento, as montanhas, os rios e todos os seres que habitam aqui neste planeta, seres visíveis e invisíveis, seres, animais, seres vegetais, seres minerais, eles também possuem uma coletividade, uma dinâmica de vida que pulsa dentro desse território que é o grande planeta Terra. Mas nós, humanos, insistimos em querer ser maiores, em querer ser mais pensantes e donos desse mundo todo. E, em nome disso, causamos todo desequilíbrio nessa humanidade que a gente julga e pensa ser.

Não tem como nos dissociarmos da natureza, porque nós somos a natureza e tudo está interligado. Nenhum humano consegue viver e sobreviver se não tiver água para beber, se não tiver um ar puro para respirar. Todo o processo capitalista e colonizador, em muitos lugares no mundo, impôs um modo de ver e pensar o tempo, e isso afetou os processos de transmissão de conhecimento. Há uma monocultura que rege os alimentos, que rege as epistemologias e os processos de cura e doença. Isso precisa ser compreendido de um modo que os indivíduos percebam que nós não somos nada além de um pequeno grão nessa grande teia que relaciona a vida. Quando penso em casa, corpo e território, percebo o quanto nós, humanos, somos dotados de um grande potencial que é a nossa própria mente. O nosso pensamento é capaz de muito desenvolvimento e criatividade, que podemos nós mesmos nos proporcionar ou nos direcionar a aprender.

As formigas, as abelhas e as plantas são seres muito inteligentes, assim como todos os seres minerais. Eles pulsam a cada dia, se transformam e se recompõem. E nós, humanos, estamos constantemente nos dividindo por classes, etnias, cor de pele, classe social. Mas somos todos humanos e fomos colocados todos neste mesmo barco, que é essa morada sagrada, que é essa casa-território onde habitamos e compartilhamos de lutas e sonhos, de expectativas e querências a cada dia.  Se habituar a isso e enxergar de uma forma clara e plena é a missão que cada um de nós carrega nessa morada territorial. Com as nossas sensibilidades, com nossas especificidades culturais, espirituais, somos capazes de alcançar essa grande coletividade que habita a casa planeta Terra, e assim reativar o cuidado e a atenção com o nosso próprio corpo, com a nossa mente e espírito.

Arte de Alexandre Wera Popygua