CONSTELAÇÃO DE SABERES
Cristine Takuá
28 de março de 2024

Foto: Vhera Poty
Nos processos educativos, e não só neles, mas também nas relações humanas, sinto a falta do afeto e da concentração, do cuidado e da atenção!
Com isso percebo que a instituição escolar não está fazendo sentido! Esse modelo de escola que prioriza a escrita, a leitura, os números, uma enxurrada de informações efêmeras, vazias de sentidos poéticos e práticos na vida das crianças e dos jovens.
Tenho pensado e sonhado com as Escolas Vivas, que valorizam o potencial de cada um em sua delicada essência. Que dialogam sobre valores de ser e estar nos territórios de forma bela e equilibrada. Que falam das artes, falam de cura, dos cantos e encantos dessa vida que pulsa a cada novo amanhecer.
Durante doze anos, eu fui professora na escola estadual indígena em minha comunidade. Foram anos de lutas e desafios, uma constante busca de equilibrar a dureza e a beleza nessa longa caminhada. Professora de filosofia que fui, mas também de história, sociologia e geografia, sempre gostei de desenhar, sair e caminhar com os alunos, ver a floresta, escutar e aprender para além dos livros.
E nesse percurso fiz parte de um processo muito forte de busca por direitos para garantir a formação dos professores indígenas numa licenciatura intercultural indígena.
Para isso, formamos um grupo de trabalho e, durante dois anos, ficamos dialogando, debatendo e construindo o PPP, o Projeto Político Pedagógico, para o curso. Nesse processo do GT que deu origem ao PPP da licenciatura que sonhamos, desenvolvemos o conceito da “constelação curricular”, para fugir da ideia de grade, onde todos os saberes ficam divididos, fragmentados e presos.
Pensar um céu que produz conhecimento e, a partir daí, fazer a articulação entre saberes e fazeres será o grande diferencial dessa formação que vai trazer muito fortalecimento para os territórios indígenas de São Paulo. O curso será organizado no tempo de alternância, o tempo-universidade e o tempo-comunidade.
Após muita luta, em março deste ano foi dado início ao curso de formação pela Unifesp de Santos, momento histórico para os povos indígenas em São Paulo.
Fui convidada a dar a aula inaugural junto a Carlos Papá no primeiro dia da licenciatura. Foi um momento muito especial, pois, estando fora de sala de aula há dois anos, pude trazer uma reflexão sobre as minhas inquietações sobre a escola, a monocultura mental e os desafios que vivi nos tempos em que dei aula e, ao mesmo tempo, lutei intensamente para garantir um processo formativo que respeitasse o tempo de cada cultura.
Durante o tempo-comunidade, cada aluno da licenciatura tem que fazer estágio com orientação de um professor, que pode também ser um líder espiritual, um conhecedor da cultura ou algum membro da escola local. Para a minha surpresa, um jovem aluno me fez a proposta de ser a orientadora dele junto a Escola Viva Guarani e o coordenador Carlos Papá. Esse momento é transformador para a educação e o fortalecimento das memórias ancestrais.
As Escolas Vivas desabrocharam como um sopro de inspiração, uma semeadura multicolorida para ativar as energias de mestres, que estão muitas vezes cansados dos desafios constantes. Esperamos que, a partir do caminhar coletivo, se animem a tecer juntos tramas de narrativas, saberes e possibilidades de sonhar mais.

Desenho: Fabiano Kuaray

