A ESCOLA VIVE EM MIM
Cristine Takuá
20 de setembro de 2024
Foto: Cris Takuá
Nessa última semana que passou, aconteceram fatos muito fortes e de profundas reflexões em minha caminhada.
Há dois anos e meio, me desinseri da escola estadual da minha comunidade por me sentir um corpo estranho em meio a ordem, obediência, disciplina, grade curricular e tantas prisões, que estavam me perturbando os sonhos. Ao sair desabrocharam as Escolas Vivas, essa semeadura tão potente e animadora que venho coordenando junto com Carlos Papá, Sueli e Isael Maxakali, Dua Busë e Netë Huni Kuin, Francy e Francisco Baniwa e João Paulo Tukano e Carla Wisu.
Remando essa canoinha de acordamento de memórias com afeto e cuidado, venho percebendo o quanto a “escola”, esse ser complexo e cheio de possibilidades, continua me atravessando e inspirando os meus passos na vida.
Impulsionando diálogos e trocas de experiências, vivenciei na Escola Viva Guarani, dias atrás, a visita da sala do quinto ano da escola infantil da minha comunidade, a sala do Kauê.
Por que as crianças perguntam tanto?
Fotos: Cris Takuá
Recebemos as crianças e a professora que, com muita curiosidade, vieram buscar saber mais das plantinhas que curam. Eu e Papá as levamos para caminhar e coletar algumas plantas usadas na medicina tradicional Guarani. Depois conversamos sobre cada uma delas. Papá brincando, mas falando com seriedade, foi perguntando a eles os nomes das plantinhas. Alguns sabiam o nome em Guarani, outros, o nome em português. E assim Papá foi explicando as plantinhas uma a uma, os nomes e suas qualidades, como e para quê são usadas.
Foi uma atividade muito interessante e as crianças ficavam fazendo perguntas sobre as plantas, sobre seus usos e também sobre o nosso corpo e os momentos de resguardo, de dieta e de luto.
Uma menina perguntou: “Por que temos que cortar os cabelos quando ficamos menstruadas pela primeira vez?”. A partir dessa pergunta, surgiu toda uma conversa sobre o tempo do resguardo e a importância desse momento de recolhimento para a menina que está virando mulher. Esses ensinamentos são muito sagrados e preciosos para a vida.
Foto: Djeguaka
Foi muito bonito e emocionante ver as crianças perguntando, tão animadas e atentas, escutando sobre esses saberes tão sensíveis e necessários.
Depois fomos visitar as abelhinhas e conversamos sobre a importância da cera de abelha para os rituais de nomeação das criancinhas, que acontecem em todo início de ano.

No dia seguinte a esse encontro, tínhamos um compromisso em Santos, para acompanhar a aula da Licenciatura Intercultural Indígena, que está fazendo a formação dos professores indígenas de São Paulo. Nesse dia foram trabalhadas atividades relacionadas à ação e aos saberes indígenas na escola. O tema foram os jogos educativos. Cada grupo apresentou sua pesquisa e as possibilidades de, em sala de aula, trazer essas brincadeiras para as crianças. Foi muito bonito e alegre o encontro com os 40 professores, alunos da Licenciatura da Unifesp.
Foto: Carlos Papá
Mas, nesse dia, antes de ir para Santos, Papá se sentiu inspirado a ir visitar a sua madrinha Rete, que fez o seu parto há 54 anos. Lá fomos, numa outra comunidade a três horas e meia da nossa casa. Foi um encontro muito lindo e cheio de recordações. Ela disse que estava aguardando ele, já pressentia que ele estava por vir. Ela nos contou muitas histórias sobre o parto, sobre a vida e as caminhadas dela enquanto mulher, rezadora e parteira.
Foto: Djeguaka
No dia seguinte, após essas caminhadas de aprendizagens, recebemos um encontro dos professores que atuam na escola aqui da nossa comunidade. Eram dez professores: três dos anos iniciais e sete dos anos finais do ensino médio. Esse encontro foi para dialogar sobre a retomada da “Ação Saberes Indígenas na Escola”, para a produção de material didático bilíngue. Há dez anos, eu havia coordenado essa ação quando estava na escola estadual, mas poucos professores participavam; Carlos Papá era o mestre dos saberes, que orientava sobre as narrativas, sobre a língua Guarani e os saberes tradicionais.
Esse encontro foi um momento de muita reflexão pra mim, pois percebi que eu saí da escola, mas a escola não saiu de mim e segue me motivando a animar os outros a não desistirem de sonhar e lutar por seus ideais.
Nesse mesmo dia tivemos a notícia da partida de um grande mestre e professor que encantou. Xamoi Alcindo Wherá Tupã foi um guardião do fogo, rezador e conhecedor das palavras e dos saberes profundos. Falamos sobre ele para o grupo de professores.
Finalizamos esse dia na Opy, na verdadeira Escola, rezando, cantando e meditando até o amanhecer do dia.
Assim seguimos animando e remando essa canoinha da transformação, as Escolas Vivas…..
Foto tirada do documentário: “Whera Tupã e o Fogo Sagrado”


