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Diário Veronica Pinheiro

AQUELA TIA ALI VAI CONVERSAR COM VOCÊ

By 12 de março de 2024novembro 27th, 2025No Comments
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AQUELA TIA ALI VAI CONVERSAR COM VOCÊ
Veronica Pinheiro

12 de março de 2024

 

Massinha: Pérola, 06 anos

Na primeira semana de aula, minha função era acolher os que choravam. Achei graça. Depois entendi o tamanho da responsabilidade. Meus pequenos companheiros falavam de uma tal dor na barriga e, além das lágrimas, traziam nos olhos o desamparo.

Ao recebê-los, eu dizia que ficaria ali o tempo que fosse necessário. Perguntava onde o medo estava. E as mãozinhas iam direto para a barriga. É fome? Para alívio do meu coração, as respostas foram todas negativas. Surgia então a última pergunta: eu acho que vi medo nos seus olhos; você tem medo de quê?

De maneira geral, o processo de escolarização desterritorializa dentro do território. Deixa a identidade da criança em segundo plano, determina o que é importante ou não para se saber, determina o que comer, como se vestir, distância o sagrado e impõe novos modos de vida. O tal do conhecimento universal, os conhecimentos básicos e o ensino fundamental norteiam os currículos. Aos poucos, um indivíduo vira uma classe; aos poucos, os corpos são docilizados. E quando menos esperamos… todos os desenhos são pintados dentro da linha.

São tantos os complicadores sociais que a escola tornou-se a principal agência de (de-/con-)formação humana, invadindo aldeias, quilombos e periferias como braço do Estado. A escola apresenta o mundo às crianças. E para muitos, em muitos lugares, é a única instituição habilitada para transmitir conhecimento. No entanto, se existe um pensamento que norteia, se o mesmo está a serviço do colonialismo para sujeição dos sujeitos e adormecimento das memórias… deve haver um pensamento que suleia.

Sugiro que busquemos sulear os modos de se estar na escola. Criemos ambientes seguros para professores e crianças pintarem fora das linhas que contornam os desenhos. Aceitemos o bagunceiro e seu corpo insubmisso. Penso que, durante o processo de suleamento, as memórias de vida e princípios de sustentação dos territórios serão despertados. Sulear é pluriversalizar os modos de existir e se relacionar com a vida.

De certa forma, aquelas crianças, que choraram na primeira semana de aula, sabiam que precisariam deixar, além da casa, um tanto de si pra fora dos muros da escola. Sei que alguém vai dizer: Mas algumas crianças vão sorrindo! É, eu sei, e essas me preocupam mais.