TEMPO E AMOR
Veronica Pinheiro
02 de abril de 2024
Imaginemos partículas no espaço.
Cada partícula é um ponto de energia.
No entanto, nada existe em si só,
tudo existe porque há uma dança.
Neste cosmos flexível,
cada corpo que irrompe
é um novo desenho e
transforma tudo ao redor.¹
Anna Dantes
Em minha casa, aprendi que para se educar uma criança é preciso uma comunidade.
“nada existe em si só”
Poder voltar à escola como comunidade, pertencendo e trazendo comigo a comunidade Selvagem, me coloca noutro lugar, um lugar expandido. Trabalhei como professora em escolas, durante muitos anos fui repreendida por trazer afetos e sorrisos na mesma mochila em que trazia os livros. Nasci e fui educada em comunidade. Aprendi em casa a amar com as mãos; trabalhávamos cantando e cuidando uns dos outros. Meu avô Antônio ensinou a meu pai que o canto espanta os medos e protege a casa. O cuidado com as crianças era compartilhado. Compartilhada também era a água, a comida, as dores e as alegrias.
Uma vez ouvi que eu era feliz demais pra quem trabalhava como professora em escola pública. A observação veio de uma outra professora. Na ocasião, ela estava responsável por organizar o quadro de horário e os tempos de aula de todos os professores. Naquele ano, eu conseguia cumprir toda minha carga horária em três dias por semana. No entanto, após o observado, fui colocada para trabalhar cinco dias por semana de 7h às 17h. A punição era passar mais tempo na escola. Repleta de tempos vagos, aproveitei para conhecer melhor meu local de trabalho. Foi assim que eu aprendi a observar alunos, funcionários e todas as vidas que compunham uma unidade escolar. Ali nasceu uma companhia de teatro com os alunos do 6° ano, fruto de tempos vagos preenchidos com poemas e canções.
Na tentativa de punir afetos, recorreram ao tempo. Porém, na seara de Iroko, o tempo não é castigo. Tempo é força. Iroko é a própria representação da dimensão do tempo, pouco conhecido dos seres vivos e mortos, nascidos ou por nascer. Guardião da ancestralidade, Iroko rege os tempos e fortalece os vínculos entre o passado e o presente. Iroko é a primeira árvore que se fez plantar na Terra. Para os que descendem dos bantos, equivale ao Inquice Kitembu: o vento transformador e a árvore o corpo do tempo.
Volto à sala de aula em outros tempos, volto com uma comunidade aquilombada, prenha de seres e sonhos. São tempos de dança. Tempos de afetos largos. Afetos acolhidos. Vejo na Escola Municipal Professor Escragnólle Dória que, aos poucos, crianças, funcionários, professores e equipe diretiva se permitem entrar nessa nossa dança Selvagem. Ousamos despertar memórias guardadas pelo tempo. Estamos escrevendo bilhetes ao vento transformador; a pedreira onde se localiza a escola já foi conhecida como o “Morro da Ventania”. Através da arte, criamos diálogos sensíveis na tentativa de acordar nos seres urbanizados que somos a natureza que também somos.
Nesse universo que se chama escola, minha comunidade Selvagem dança expandindo vida. Afetando e sendo afetada. Minha comunidade me respalda.
“Enquanto o universo se expande, o amor aglutina.”²

Foto: Veronica Pinheiro
NOTAS:
1 e 2 Caderno Selvagem – Flecha 6, Tempo e amor
https://selvagemciclo.org.br/wp-content/uploads/2023/10/CADERNO49_FLECHA_6.pdf
https://www.youtube.com/watch?v=PeMBCABxXCQ&t=620s&ab_channel=SELVAGEMciclodeestudossobreavida

