HISTÓRIAS QUE OS LIVROS NÃO CONTAM
Cristine Takuá
18 de abril de 2024

Foto: Roberto Romero
Sueli Maxakali, artista, cineasta, liderança, avó e coordenadora da Escola Viva Maxakali, passou anos de sua vida sonhando reencontrar o seu pai Luis Angujá, como é conhecido, do povo Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Eles se separaram há mais de 40 anos, durante a Ditadura Militar. Para esse reencontro, Sueli idealizou, junto com sua irmã Maiza, o filme Yõg ãtak: Meu Pai, Kaiowá. Esse longa-metragem documental está em processo de finalização e contou com apoio do antropólogo e amigo Roberto Romero e de Tatiane Klein, antropóloga que estuda há anos junto aos Guarani e aos Kaiowá. Foi ela quem, em 2019, nas suas caminhadas pelo estado, encontrou Luis vivendo na Tekoha Laranjeira Nhanderu e comunicou Robertinho. A partir daí organizaram a primeira ligação telefônica entre eles. Na época lembro que Tatiane Klein me contou e me enviou um vídeo de Luis muito emocionado.
A Ditadura Militar causou profundas feridas nas memórias e violentou os corpos e os territórios, provocando prisões, trabalho forçado, torturas, envenenamentos e doenças. Houve ainda a proibição da língua materna entre os povos indígenas. No relatório da Comissão Nacional da Verdade consta que mais de 8 mil indígenas foram mortos nesse período, vítimas de torturas e tentativas de apagamentos de suas memórias. Os livros de história e de literatura estudados nas escolas brasileiras contam muito superficialmente o que realmente aconteceu durante os anos de ditadura. A maioria dos livros mostram, com muitas fotos, os exílios de artistas famosos, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, mas não falam absolutamente nada sobre o exílio, o genocídio e o etnocídio dos povos indígenas.
Em meados de 1960, no auge da ditadura militar brasileira, Luis Kaiowá e seu primo José Lino foram levados para vários lugares diferentes por agentes do estado brasileiro, finalmente chegando ao Posto Indígena Mariano de Oliveira, na aldeia Maxakali de Água Boa, em Minas Gerais. Lá viveram mais de 15 anos. Luís casou-se com Noêmia Maxakali e teve duas filhas, Maiza e Sueli, enquanto José Lino casou-se com Maria Diva Maxakali e teve quatro filhas. Porém, pouco mais de dois meses após o nascimento de Sueli, Luis e José Lino foram reconduzidos para o Mato Grosso do Sul e nunca mais voltaram. Luis tornou-se um renomado rezador do povo Kaiowá, enquanto José Lino faleceu poucos anos após seu retorno.

Foto: Tatiane Klein
Sueli e Maiza cresceram sem ter notícias do pai, mas sempre buscaram perguntar o paradeiro dele quando encontravam parentes Kaiowá. Com a chegada da notícia de Tatiane Klein sobre a localização certa onde estava vivendo Luis, Sueli, com ajuda de parceiros, organizou a viagem de encontro e a gravação de um documentário contando toda sua história. Isso estava previsto para 2019, mas com a chegada da Covid tiveram que desmarcar e aguardar.
Nesse meio tempo, em setembro de 2021, Sueli, Isael e várias famílias Maxakali resolveram retomar uma área, a Aldeia Escola Floresta, onde hoje estão. Lá cultivam o sonho de curar a terra e fortalecer a vida das crianças e jovens através de práticas educativas. Em 2022, com a diminuição nos casos de Covid, Sueli e Maiza conseguiram retomar o projeto e planejar o tão sonhado encontro. Se prepararam espiritualmente para a partida na Aldeia Escola Floresta com um grande ritual do gavião-espírito, Mõgmôka, e seguiram para o Mato Grosso Sul. Entre os dois povos, muita expectativa, emoção, histórias e memórias em meio a um processo secular de expropriação, assassinatos e devastação de seus territórios ancestrais. E mesmo com tanta violência e dor, os dois povos resistem e exibem um ritual de vida vibrante e intenso, povoado por cantos, sonhos e espíritos.


Fotos: Roberto Romero
Profundas histórias de vida e luta não figuram nos livros de história das escolas, mas estão presentes em muitos territórios indígenas. Quem quiser saber mais sobre o encontro de Sueli e Maiza com pai, em breve o filme estará em circulação e vai contribuir muito para o entendimento do que representou a Ditadura Militar para os povos indígenas.
Agradeço a Roberto Romero e Tatiane Klein, que contribuíram com fotos e narrativas desse momento tão importante para história do povo Maxakali e Kaiowá, mas também para história do Brasil.
Compartilho o link de um outro documentário feito por Isael e Sueli que conta também as violências durante a Ditadura Militar para o povo Maxakali: GRIN-Guarda Rural Indigena (Roney Freitas e Isael Maxakali 2016) – Documentário.

Foto: Alexandre Maxakali

