NAVEGANDO NA FLORESTA QUE ENSINA: UM MERGULHO NAS ESCOLAS VIVAS
Cristine Takuá
29 de maio de 2025

Na mata não tem leis, tem responsabilidades…
– Kauê Karai Tataendy
Caminhando com meus filhos vou aprendendo a prestar mais atenção nas sutilezas que nos rodeiam e também a ampliar as percepções para esse mundo moderno, no qual todos nós fomos inseridos, cheio de regras, normas, calendários, restrições, etiquetas, disciplinas e obediência. Quando olhamos para dentro da floresta, percebemos um outro modo de ser e estar e de interagir com o tempo e o território.
Junto com o grupo Selvagem, navegamos ao encontro das Escolas Vivas que habitam a Floresta Amazônica: a Bahserikowi, em Manaus, dos povos Tukano, Dessano e Tuyuka, e lá no Assunção do Içana, subindo o Rio Negro, a Escola Viva Baniwa.

Encontrar os kumuã e visitar os coordenadores das Escolas Vivas me deu muita animação e vontade de seguir tecendo essa trama de sonhos e intenções profundas. Em Manaus, no Bahserikowi, fomos recebidos com açaí e quinhanpira, prato tradicional dos povos do Rio Negro, que é um caldo de peixe com pimenta, muita pimenta. Fizemos oficina de grafismo, dialogamos muito sobre os trabalhos realizados e os planejamentos futuros. Também falamos sobre as constelações e os tempos que regem a vida na cosmologia Tukano e Dessano.

Subindo mais o Rio Negro, e adentrando a floresta cada vez mais, fomos sentindo a potência da natureza em sua essência, mas também vendo marcas históricas do processo da colonização e da escolarização deixadas nas comunidades.
Mas, mesmo em meio a desafios, ao chegar na comunidade Assunção do Içana, encontramos um coletivo feliz, vivendo e praticando seus saberes de forma harmoniosa. A Escola Viva e a roça Baniwa são pura verdade, profunda alegria e complexos saberes vivenciados por muitos em diálogo com o Rio, com as formigas, as pimentas e os carurus. Lembrei de Ailton Krenak quando ele fala lá no livrinho Um rio um pássaro:
…se souberem equilibrar utilidade com natureza, quem sabe a vida possa ser melhor. Assim como as águas dos rios enchem ou esvaziam de acordo com a estação das chuvas, é preciso aprender a respeitar o ritmo da natureza, aprender que existe tempo de abundância e de escassez.

Assim vivem os Baniwa, os Koripako, Tukano, Dessano, Tuyuka e outros povos que convivem nos rios da Amazônia em harmonia com o tempo e praticando os seus saberes ancestrais, que vêm de conhecimentos muito antigos.
Nos dias que passamos juntos na Escola Viva Baniwa sentimos uma força muito ativada do coletivo entre as mulheres, e Francy fala sobre isso em seu artigo “Minha escrevivência, experiências vividas e diálogo com as mulheres indígenas do Rio Negro – Amazonas/Brasil”, que está aqui.
Nós cuidamos da vida, cuidamos da casa, cuidamos do ambiente fora de casa, cuidamos da comunidade com outras mulheres. Somos solidárias nos trabalhos de roças, quando somos convidadas, todas participam, somos solidárias quando alguém passa necessidade. Assim como aprendi com minha mãe e avó, e nas minhas andanças vejo que em muitos momentos difíceis a última palavra é feminina.

Todas essas profundezas vivenciadas nos colocaram em forte relação com os códigos que sustentam toda a interação humana com a utilidade da vida. Há tempos venho refletindo sobre a utilidade da escola nas nossas vidas e a enxurrada de teorias que despejam nas crianças e jovens sem a menor preocupação em prepará-los para viver em harmonia com a natureza.
Esse distanciamento que os currículos das escolas têm com a natureza e com o que realmente faz sentido ser aprendido e praticado nos processos de ensino e aprendizagem me preocupa profundamente.
As sociedades humanas estão perdendo a sensível e delicada percepção de ler, decifrar, entender e praticar os saberes e fazeres que habitam nas memórias ancestrais das suas avózinhas.
Se conectar com as narrativas antigas, conhecer as tecnologias de pesca, de fazer roça, de trançar uma fibra ou tocar um instrumento sagrado, tudo isso é de uma preciosidade que as Escolas Vivas têm priorizado nesse caminho que a gente vem tecendo juntos. Estamos remando a nossa canoinha da transformação.
Assim, seguimos sonhando e acreditando que as Escolas Vivas podem ser como paraquedas coloridos para adiar o fim das infâncias e fortalecer o verdadeiro processo de transmissão de conhecimentos que são muito sagrados e importantes para nossas vidas.


