ENCONTRO EM VOLTA DO FOGO
Cristine Takuá
4 de dezembro de 2025
Aprendi com as anciãs Guarani
que o fogo é coisa séria e sagrada.
A avózinha fogo e o avôzinho fogo sustentam
e seguram a Terra firme e aquecida.
A terra nos alimenta e nos acolhe.
O fogo, com sua força ancestral,
nos ilumina e dissipa todo o mal.
Há muito tempo, eu sonhava vivenciar um encontro com os rezadores Guarani, Maxakali e Huni Kuin. Em 2017 tive um sonho muito profundo que me orientou para organizar esse grande rezo. Quando acordei desse sonho, fiquei refletindo sobre as mensagens e me coloquei a buscar formas de conseguir realizar. Anos se passaram, veio pandemia, depois transformações na vida e vi desabrochar as Escolas Vivas. Oito anos após esse sonho, hoje na coordenação do projeto Escolas Vivas sob a guiança de Anna Dantes, na Associação Selvagem, e o coletivo de cada Escola Viva, conseguimos fazer brotar essa possibilidade de intercâmbio. Em outubro, após a residência artística Casa Escola Viva, no MAM Rio, viemos com as comitivas das Escolas Vivas para Aldeia Rio Silveira, minha morada.
Foram dias de muito encanto, onde pudemos caminhar na floresta, trocar experiências, desafios e sonhos junto com meus parentes Maxakali, que vieram com Isael e Sueli, Mamei, Isabelinha e algumas crianças, a família Huni Kuin, na presença do professor Dua Busë e sua companheira Netë, de José Maia Yube e sua irmã Ayani, os Guarani aqui da comunidade, a ilustre presença do professor Francisco Baniwa, também da amiga e companheira de sonhos Veronica Pinheiro e Daniel, da equipe Selvagem. Assamos peixe, tocamos flauta, admiramos a montanha Karaja Ambá e até vimos o mar.
Uma das trocas mais profundas e significativas nesse encontro foi a roda em volta do fogo na Opy, nossa casa de reza lá no meio da floresta. Fomos com todos no final do dia e, antes de o Sol ir descansar, estávamos todos em volta do foguinho sagrado aguardando o início da cerimônia. Já faz alguns anos que eu e Papá cuidamos da casa de reza e fazemos cerimônias espirituais para curar, animar o espírito e também para tratar de alguns jovens com problemas de alcoolismo. Às vezes consagramos a medicina do cipó Moã’i, como chamamos a professora da floresta. Nos últimos anos, a gente vem fazendo muitos intercâmbios com meus parentes Maxakali para fortalecer o corpo e o espírito, para poder depois curar a terra. A prática da Escola Viva tem também atuado nesse ensinamento de diálogo com as plantas mestras e de busca de curar as feridas que o processo colonial deixou em muitos de nós. Isael Maxakali e pajé Mamei falam da medicina como um yamiy, como tomar um cipó espírito. São muitos os ensinamentos que vêm desabrochando nesses estudos noite adentro.
Mas, nesse encontro, vivenciamos algo mais especial ainda, pois estávamos na presença do mestre Dua Busë, professor dos cantos sagrados ensinados pela jiboia. E também de Netë que, junto comigo, serviu Moã’i para todos os presentes. Éramos mais ou menos umas 30 pessoas na pequena Opy, mas lá passamos a noite inteira, as crianças sonhando e nós em concentração, cantando, ouvindo histórias e recebendo mensagens dos Yuxibu, dos Yamiyxop e de Nhanderu. Juntos ao redor do fogo, uma presença muito especial que nos acompanhou foi o professor Francisco Baniwa, que muito profundamente contou as histórias do Rio Negro. Foi muito emocionante ouvir seu Francisco naquela noite e sentir o quanto aquele encontro o fortaleceria e daria forças para ele e todos de sua família.
A noite foi longa com muitos processos sensíveis e de muita emoção. Quando o dia foi chegando e o Sol voltando a brilhar, cada um foi se levantando para reverenciar o Sol e a floresta, que nos acolheu a noite toda. Aos poucos fomos voltando para a minha casa para descansar. No meio do dia seguinte recebemos a visita de Nastassja Martin, sua filha e Idjahure, que vieram para acompanhar as vivências de intercâmbio junto às Escolas Vivas.
Durante os dias que seguiram, assamos peixes, ouvimos muitas histórias do pajé Mamei Maxakali, do pajé Dua Busë Huni Kuin, do xamoi Carlos Papá e do professor Francisco Baniwa. Cada um dizia “peixe”, “melancia”, “banana”, “pedra” em sua língua. Trocamos palavras, sonhos e muitas risadas.
Viva viva as Escolas Vivas, que seguem pulsando em nossos corações e em nossas mentes, acordando memórias e despertando a energia que brota da animação, através do cuidado e do afeto de nos permitirmos ser selvagens a cada novo amanhecer.











